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Stasis

A palavra grega stasis deriva de histemi – o ato de levantar-se. Stasis tem duplo significado no grego antigo: quando diz respeito à matéria, designa falta de movimento; na esfera social, é utilizada para designar facções políticas, discórdia e guerra civil. Algumas palavras e conceitos utilizados em nossos dias derivam dessas concepções: status quo, Estado, estática e estatuto. O conflito político desenvolvido pelas facções era visto como entrave ao funcionamento considerado “normal” pela coletividade: ele levaria a ocorrências contrárias à “natureza” das coisas e das pessoas.


A violência política oriunda dos conflitos sociais internos foi tema de intensas reflexões pelos gregos desde o período arcaico. Hesíodo, por exemplo, trata a hybris como possível fator de desequilíbrio social em O trabalho e os dias. Homero descreve a ilha de Ítaca como uma terra em que a lei está por um fio em sua obra Odisseia. Sem um poder político central que conseguisse manter sua hegemonia, as cidades-estado gregas viviam instabilidades políticas constantes, que colocavam em risco a vida da população e a integridade da coletividade. Essas guerras civis, no entanto, são distintas das guerras contra inimigos estrangeiros (chamadas de polemos).


A stasis está, portanto, relacionada às tomadas de posição de cada grupo social em relação aos imperativos para o funcionamento normal da sociedade. De um lado, a conquista da soberania por parte de um grupo dominante, bem como suas ações para garantir a manutenção das formas de dominação respectivas, podem ser consideradas causadoras de stasis. De outro lado, também são produtoras de stasis as estratégias políticas desenvolvidas pelos grupos dominados para questionar as condições sob as quais são obrigados a viver – pois impor uma dominação ou desenvolver estratégias contrárias ao poder vigente exigem ações desmedidas, ou seja, hybris. A hybris pode estar relacionada ao conflito entre classes sociais, a lutas por formas distintas de organização política, a escaramuças internas à elite, às intervenções realizadas por poderes externos, à perseguição de identidades não aceitas pelo grupo dominante etc.


Em Hybris RPG, stasis representa os conflitos sociais advindos dos variados tipos de dominação, assim como das ações organizadas a partir de estratégias políticas distintas. Essas estratégias podem se opor à dominação ou ser coniventes com ela. Sempre que manter a dominação ou lutar contra ela envolve uma ação de hybris, isso promove a stasis. Em determinados momentos do jogo, a stasis se converterá em miasma e afetará os elementos dos grupos, suas estratégias políticas e as dominações, além de atingir o personagem do jogador e um de seu philos.

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A mais importante descrição histórica de stasis vem do general ateniense Tucídides em seu livro A história da guerra do Peloponeso. Durante a guerra entre Atenas e Esparta, democratas e aristocratas enfrentavam-se em guerras civis. A primeira stasis foi na Córcira e expandiu-se por quase todas as cidades gregas. Muitos foram os esforços para pensar em soluções para colocar fim todo tipo de stasis:


Em vistas de uma guerra civil, Atenas atribuiu ao legislador e poeta Sólon a tarefa de reformar as leis da cidade. Aristóteles atribui a ele a famosa “Lei da stasis”: em caso de guerra civil, o cidadão que não tomar partido e se mantiver neutro perderá sua cidadania após o fim da stasis. Os indivíduos, portanto, são obrigados por lei a assumir um lado.


Os atenienses, após serem derrotados por Esparta durante a Guerra do Peloponeso, viram a sociedade cair novamente em stasis durante a Tirania dos Trinta, na qual os aristocratas perseguiam, matavam e expulsavam os democratas. Após uma guerra civil da qual os democratas saíram vitoriosos, os atenienses inovaram na tentativa de manter a stasis ao criar a lei do esquecimento dos crimes dos aliados dos trinta tiranos (amnistia: a + Mnemosine = negação + a deusa da memória).


Para o grego Políbio, no livro VI de Histórias, o modelo romano que “dividia” o poder entre cônsules, senadores e assembleia possibilitava a capacidade de diálogo entre os grupos sociais e continha a stasis.


São João Crisóstomo, por sua vez, vê no teatro e suas representações a origem de sedições e tumultos, visto que incentiva a blasfêmia e afasta os seres humanos de suas virtudes, propondo que se evite este tipo de entretenimento.


Tradutor de Tucídides para o inglês, Thomas Hobbes foi influenciado pelo escritor grego, o que se faz notar pela descrição de “guerra de todos contra todos” na obra O Leviatã, que remete diretamente às descrições do general e historiador grego. O filósofo inglês traduziu o termo grego stasis por sedição ou facção sediciosa, ou seja: fez uma analogia entre os conflitos gregos e a guerra civil inglesa que o obrigou a fugir da Inglaterra. Para ele, a forma de superar a stasis era fundar um contrato social que permitisse o controle social pelo soberano.


Independentemente dos motivos que produzem a stasis, este modelo de conflito social interno foi utilizado por uma série de pensadores sobre a realidade contemporânea: a helenista Nicole Loraux utiliza a descrição de Tucídides em uma comparação com a Comuna de Paris, ocorrida em 1871. A pesquisadora Tatyana Gavić utiliza a stasis para compreender os confrontos ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola. Stathis Kalyvas compara a stasis clássica da Grécia antiga com a Guerra Civil Grega durante a ocupação nazista. Mladen Stevan Mrdalj analisa a desintegração da Iugoslávia pós-Guerra Fria a partir do conceito da stasis entre os poderes. Michael Poznansky aponta para a influência dos EUA como produtores de stasis no Irã e no Chile, assim como Atenas e Esparta auxiliavam em golpes políticos.


Na arte também podem ser encontrados vários exemplos de stasis: no filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, a disputa entre os grupos acaba por produzir uma violência incontornável. O filme Faça a coisa certa, de Spike Lee, representa uma convulsão social após descrever um dia no qual as violências entre os grupos sociais são tensionadas ao extremo. O conto A hora e a vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa, leva o leitor a observar as constantes tensões dos grupos sociais em meio a um processo violento de sobrevivência. Na música Diário de um detento, dos Racionais Mc’s, o cotidiano na cadeia é permeado por ações dos variados indivíduos dentro de um espaço fechado e controlado por um grupo dominante que acaba produzindo stasis. Ainda no campo da música, Monólogo ao pé do ouvido de Chico Science & Nação Zumbi, há exemplos não só de figuras que desafiaram a hybris como também há citação da stasis gerada por tais lutas sociais.


Na cultura popular e na ficção, o conceito de stasis também temos uma serie de representações de situações de stasis. No anime Naruto, as guerras ninja são resultados de ações políticas entre os grupos e o grupo dominante, produzindo stasis. Em Avatar: a lenda de Aang a stasis é gerada a partir do grupo dominante que, mesmo após ter vencido os conflitos, continua em busca daquele que tem a capacidade de enfrentá-los: o Avatar.


A stasis deve, portanto, ser entendida como resultante da própria dominação que é exercida pelo grupo dominante sobre os outros grupos. Por exemplo, não só o combate à escravidão deve ser entendido como produtor de stasis, mas a própria adoção de um modelo de dominação baseado na escravidão deve ser entendida como o pressuposto, a condição da produção dos conflitos sociais respectivos. Todo e qualquer tipo de imposição de ethos deve também ser entendido como possível causador stasis.
 

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