top of page

Hybris

Desmedida ou desmesura. Em latim chamou-se “petulantia”. É uma ação baseada na arrogância, no orgulho, no excesso. Em Hybris RPG, é a jogada de habitus que ultrapassa as dificuldades impostas rotineiramente pelo contexto e pelo narrador. Na história do pensamento, encontramos algumas das primeiras formulações do conceito na Grécia Antiga.


O conceito grego de hybris encontra-se desenvolvido no pensamento mítico-religioso, que aponta para a “desmedida” humana de tentar agir além de seus limites naturais, como fazem os deuses. Consta também nos escritos político-morais e filosóficos, em reflexões sobre os limites sociais das ações humanas e suas consequências. Finalmente, aparece na arte, tendo por modelo as ações dos personagens épicos e trágicos.


Segundo os gregos, todos os seres humanos são finitos, e agir contra os limites estabelecidos acaba por acarretar consequências trágicas para a pessoa e seu entorno. Ao agir de forma desmesurada, a pessoa pode produzir grandes transformações ou sofrer grandes perdas: negar os costumes, a lei ou a natureza é uma ação de desmedida (hybris), e pode acarretar conflitos entre indivíduos e grupos, causando o que os gregos chamaram de stasis.


O filósofo Nietzsche rompe com a visão grega de hybris ao determiná-la enquanto atitude dos modernos em relação à natureza, a partir do domínio da técnica e da tecnologia. Ele a localiza também na relação à divindade, bem como na relação entre os próprios seres humanos: cada pecado original tornou-se uma virtude original. A inovação da hybris, sua violação, seu abuso, representa uma ruptura, uma desmedida, um devir – mas a desmedida representa um elemento de possível transformação da ordem social.

 

No campo político, temos exemplos famosos de hybris: ao atravessar o rio Rubicão, Júlio César marcha com seu exército em direção à cidade de Roma, algo proibido na época. Martinho Lutero enfrentou a Igreja Católica e propôs uma nova leitura das escrituras. Thomas Müntzer liderou rebeliões camponesas contra os nobres alemães. Zumbi comandou o Quilombo dos Palmares durante a escravidão no período colonial brasileiro. Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, organizou os jangadeiros nas lutas abolicionistas no Ceará. Rosa Parks, uma costureira e ativista do movimento negro norte-americano, recusou-se a sair de seu lugar no ônibus para entregá-lo para um branco.


Encontramos vários exemplos de hybris nas artes antigas e modernas. No livro Ilíada, que relata eventos ocorridos no nono ano da Guerra de Tróia, Agamêmnon, o líder do exército grego, age em desmedida ao enfrentar Aquiles, o melhor guerreiro grego. As consequências pessoais e sociais são sentidas em todo o exército grego. Uma das tragédias gregas mais famosas é Antígona, na qual a personagem principal enfrenta a ordem de Creonte, rei de Tebas e seu tio. As consequências da hybris são elevadas ao extremo até o final da peça. No livro Frankenstein, no qual um médico decide ir além dos limites humanos produzindo uma forma de vida artificial, a criatura sai do controle de seu criador e produz distúrbios. O personagem Okonkwo, do livro O mundo se despedaça, também decide agir contra os colonizadores na Nigéria e enfrenta consequências severas.

​

Não apenas presente na história, na política, nas artes e na literatura, o conceito de hybris também aparece com frequência em outras mídias. Considerada uma das séries televisivas mais importantes da década passada, Breaking Bad tem como motor de sua história as ações desmedidas de seu protagonista, Walter White, gerando graves consequências a ele e a todos os seus philoi. Já no universo das animações japonesas, Dragon Ball Z é uma série na qual os personagens são carregados de hybris. Um exemplo nítido de hybris é quando o personagem Vegeta, após passar por uma de suas transformações e aprimorar sua força física, permite que o antagonista faça o mesmo para testar sua força e acaba por condenar o destino de seu grupo e de seu planeta.

​

Apesar de a hybris ser uma ação individual, os diferentes grupos sociais encontram uma acolhida diferente da ação desmedida. Caso um indivíduo escravizado assassinasse um nobre, provavelmente a convulsão social seria imensa. Diante de uma ação contrária, na qual um nobre assassinasse um indivíduo escravizado, possivelmente a convulsão social seria menor. Os assassinatos em aldeias indígenas e nas favelas brasileiras evidenciam como a hybris tem implicações diferentes para variados grupos. Cada indivíduo encontra espaços sociais distintos para agir de forma desmedida a partir da posição social do seu grupo, e suas ações acabam por produzir stasis diferentes.

 

No plano individual, a hybris produz miasma nas relações dos personagens com seus philoi.

​

bottom of page